Dia 28 de dezembro de 1971
Querido diário, hoje eu acordei cedo, muito cedo...
Dia 29 de dezembro de 1971
Hoje meu melhor amigo, E.R., foi para o hospital.
Só tu sabes o quanto eu gosto dele. Sinto saudades...
Dia 30 de dezembro de 1971
Hoje eu fui visitá-lo, ele está muito branco parece de cera.
Lá no Hospital a gente se sente muito chocada...
Dia 31 de dezembro de 1971
Todos os dias que eu passo em frente ao Hospital
eu lhe jogo um beijo para matar a saudade,
mas mataria mais a saudade se ele estivesse bom...
Dia 1º de janeiro de 1972
Ele foi liberado para passar o Ano Novo em casa, com seus pais.
Fiquei feliz porque ele não vai ficar escutando
o barulho dos foguetes no hospital...
Dia 3 de janeiro de 1972
Ele voltou para hospital. Eu estou com o coração na mão.
Ele não vai morrer. Ele não pode morrer...
Dia 16 de janeiro de 1972
Ele foi para casa. Fiquei muito feliz.
Caiu um temporal. Tomei banho de chuva...
Dia 17 de janeiro de 1972
Não sei se quero visitá-lo, não gosto de ver gente sofrer.
Quando eu for médica, se Deus quiser, eu não terei medo,
mas agora que sou pequena
eu tenho muita pena dos que estão sofrendo.
Eu fui a casa dele, ele está muito magro.
O Doutor lhe disse que ele tem que ter vontade de ficar bom...
Dia 18 de janeiro de 1972
Eu estou muito feliz porque ele está em casa.
O dia está lindo e eu tomei banho de tanque...
Dia 21 de janeiro de 1972
Eu acordei pensando nele. Estou com muitas saudades.
Passo os dia escutando “RAM” (disco do Paul McCartney que ele me deu)
para não me esquecer dele...
Dia 20 de abril de 1972
Ele morreu, tudo ilusão.
Estou triste, muito triste.
Quando nasce uma criança
Desce um Anjo
Para lhe perfumar a Alma
E com toda calma
Lhe imprime na palma
O destino do pequenino...
E de um mundo uterino
Protegido e cristalino
Passa a ser um peregrino
Espalhando a essência
Que lhe foi dada
Em frasco genuíno
E que, findado o Tempo
Ainda com o mesmo perfume
Retornará ao Divino
(Wania)
Estes são alguns trechinhos e a última página do meu diário,
escrito aos nove anos de idade, que encontrei semana passada
e acabo de reler com os olhos marejados d’água
e a emoção à flor da pele.
Hoje, às vésperas de completar 49 anos,
tenho a minha escrita como testemunha,
provando que somos os mesmos em essência
e ainda temos o mesmo perfume que foi borrifado
na nossa Alma quando renascemos aqui deste lado.
Fico feliz em constatar que não foi em vão correr atrás dos sonhos...
“E quem pode dizer aonde vai a estrada ?
Para onde vão os dias ?
Só o tempo
Quem sabe?
Só o tempo”
(Letra da música “Only Time” – Enya)