segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A COLECIONADORA DE DEZ

Tenho 13 anos. Brinco de boneca, mas quero saber que gosto tem um beijo de língua. Passo os dias arrumando minha casinha em miniatura, mas daria tudo para saber de que brincam os adultos nos limites de uma cama. Estudo muito...muito! Gosto de colecionar 10...No meu boletim tem carrerinhas de 10, 9 e 8 detesto, menos, nem em sonho! Em compensação no amor, colecionava zeros.. ou melhor "foras", a maioria platônicos, é verdade, mas somente zeros...se os juntasse todinhos, já davam pra fazer um colar de uma volta no pescoço.
Ele tinha 14 anos. Sentava na última fila. No fundo da sala de aula sentam os misteriosos. Aqueles que nunca fazem o tema ou estudam para as provas, eles precisam de tempo para desenvolver seus mistérios. Ele tocava violão de ouvido. Violão era o "RedBull" daquela época: te dava asas enquanto todos os outros guris só caminhavam! Ele jogava botão, jogava botão muito bem! Se os botões vestissem camisas ele seria o camisa 10 dos jogos de mesa...
Dez...meus olhinhos brilharam. Eu quero este dez pra mim! Este era o pingente que faltava para adornar o meu colar!
Tornei-me expert em jogos de botões. Daquele dia em diante todos os meus recreios se passariam ao redor de uma mesa de jogo. Que chatice aquelas partidas, mas a cada gol eu gritava com a mesma adrenalina de quem desce uma montanha-russa.
Ele me notou. Ele veio conversar comigo. Nós não paramos mais de falar um com o outro. Ele sempre me ensinando a jogar e eu nunca aprendendo para não perder o professor. Ele tocou para mim na saída da aula enquanto eu esperava minha mãe me buscar. Como eu rezei para o carro estragar, o pneu furar ou ela me esquecer na Escola naquele dia. Jurei que não teria nenhum trauma por isso. Ele sempre voltava a pé para casa!
Ele começou a faltar às aulas. Emagreceu. As maçãs do seu rosto devem ter caído de maduras. Ele raspou os cabelos. Continuamos conversando, mas nunca perguntei o que ele tinha. Ele desinteressou-se pelos botões. Precossemente, aposentou-se da música. Amadureceu num corpo verde de menino.
Passou 20 dias sem aparecer na Escola. Todos os dias a minha curiosidade apostava corrida com a tristeza, mas naquele dia, por fora veio a coragem e venceu. Levantei-me e fui perguntar a professora a resposta que eu já sabia. Porque eu não lhe avisei que a vida não era um adversário fácil. Marcou o único gol contra de sua carreira.

Um comentário:

  1. aaaaah, Wania
    era esse o texto sobre paixão-amor que deveria ter saídolá,não?
    +1 beijo

    ResponderExcluir

"Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes..."
(Cecília Meireles)

Que bons ventos te tragam mais vezes!